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Mortes pela polícia em Mato Grosso aumentam 197%

Em seis anos, Mato Grosso teve crescimento de 197% nas mortes por intervenção policial. Dados do painel do Ministério da Justiça destacam os números de 2019 a 2024 no Estado. De acordo com o levantamento, em 2019 foram 72 mortes e, no ano passado, 214 ocorrências, taxa de 5,58 mortes a cada 100 mil habitantes. Ao todo, no período do balanço, Mato Grosso registrou 851 mortes.

 

Os dados compilados pelo Ministério da Justiça são desde 2015. No entanto, os números passaram a ser abastecidos por Mato Grosso em 2019, quando foram registradas 72 mortes. Em 2020, foram 130 e, no ano seguinte, reduziu para 103. Em 2022, as mortes por intervenção chegaram a 109, em 2023 passaram para 223 e, em 2024, caíram para 214. No país, taxa de mortes por intervenção ficou em 2,83. De 2015 a 2024, o Brasil registrou 52.091 mortes por intervenção policial, uma média de 14 por dia.

 

No dia 30 de janeiro deste ano mais um caso de morte por intervenção policial foi registrada. Douglas Gonçalves de Oliveira, 31, e Marcos Vinicius da Silva Faria, 24, morreram durante uma ocorrência da Força Tática que, segundo boletim de ocorrência, tentou abordar a caminhonete que os homens estavam, mas os militares foram recebidos a tiros. Marinete Cardoso, mãe de Douglas, usou as redes sociais para pedir Justiça e nega que houve confronto, afirmando que o filho e o amigo foram executados. Douglas foi identificado como um dos cúmplices na fuga de Raffael Amorim de Brito, assassino do 3º sargento da Polícia Militar, Odenil Alves Pedroso.

 

Aqui é a mãe do Douglas, mais um que a polícia matou, aqui é mais uma mãe chorando pelo seu filho morto pela Força Tática. A Força Tática que chega nos bairros batendo e matando… Invadiram minha casa e me bateram. Há cinco meses eu já tinha feito um boletim de ocorrência porque a polícia entrou na minha casa dizendo que iam matar meu filho e mataram.

Câmeras corporais

 

Ouvidor-geral da Polícia em Mato Grosso, Teobaldo Witter destaca que o número de mortes por intervenção é elevado e assustador. Teobaldo defende a adoção de câmeras corporais, afirmando que vão, inclusive, proteger os bons policiais. O ouvidor destaca que precisam ser respeitadas as normas de abordagem, com o uso da força de forma progressiva, se necessário.

 

Defendemos o uso de câmeras corporais, pois hoje fica todo mundo no mesmo rolo, no mesmo saco. Têm policiais que são realmente bons, que não usam desse instrumento que é matar.

 

O ouvidor ressalta ainda a necessidade de repensar a segurança pública. A segurança pública se faz com investimento, não só com perseguição às pessoas. Toda vez que acontece um homicídio de alguém que cometeu um delito com a lei, perde-se também a chance de investigar todo aquele sistema. Se fosse prender, é muito mais significativo para a segurança pública. Deve-se criar um aparelho de segurança para que as pessoas percebam que se fugir elas perdem e que nunca se enfrenta polícia.

 

O ouvidor cita que Mato Grosso tem investimento importante na segurança, mas tem um sistema de investigação dos crimes razoável, com a Polícia Civil se dedicando. Mas você não pode matar as pessoas para querer investigar. Vai investigar o que ainda? Então, com o serviço de segurança pública inteligente e com inteligência, não se pensa primeiramente em matar as pessoas. Pensa em prender e descobrir e reconstruir as situações de violência em situações de paz. Segurança se faz garantindo a vida de todos, inclusive a do policial.

 

Modus operandi institucionalizado

Professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Douglas Ibarra, que é advogado, doutorando e mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP), diz que a letalidade e a violência policial são problemas sistemáticos que precisam ser seriamente enfrentados pelo estado brasileiro. Para ele, os dados são suficientes para demonstrar que não se trata de um caso isolado.

 

Para além dessas mortes impactarem profundamente as famílias envolvidas, a desproporcionalidade com que as violências atingem negros e pobres, por exemplo, mostram que esses eventos não se constituem em incidentes, mas refletem um modus operandi institucionalizado, diretamente relacionado ao que se denomina de violência racial. Eis o problema estrutural a ser enfrentado.

 

Ibarra defende que um caminho plausível é o uso e a regulamentação de câmeras acopladas à farda de policiais, porque são medidas que contribuem para a redução de abusos cometidos por agentes de segurança pública durante as abordagens. Estudos sérios já realizados mostram que as câmeras têm eficácia comprovada na diminuição de mortes, tanto de civis como dos próprios agentes de segurança pública. O STF decidiu recentemente que as câmeras devem ser obrigatórias em alguns tipos de operações que envolvem maior risco e propensão ao uso da força, desde que realizadas em regiões em que haja disponibilidade dos equipamentos. Aliás, o uso dessas câmaras permite retirar qualquer dose de subjetivismo de provas que instruem processos dessa natureza. O processo criminal se torna muito mais eficiente, evitando o erro judiciário; evitando que pessoas inocentes sejam condenadas, inclusive os próprios policiais.

 

Evitar o início da guerra

Sociólogo João Edisom de Souza ressalta a necessidade de um rastreio dos criminosos e pessoas violentas, analisando quais as condições levaram àquela realidade e quais medidas devem ser adotadas para mudar o cenário. Para o professor, a segurança pública não é uma questão só de polícia. João Edisom diz que quando a polícia entra no processo, praticamente não tem mais solução. Desta forma, o discurso bandido bom é bandido morto está falando diretamente do bandido que já está brigando com a polícia. É um discurso que não contribui em nada. Se a polícia deve matar, se não deve matar. Enquanto a gente está discutindo isso, já está instaurada toda uma situação descontrolada pelo Estado. Se não cortar esse percurso, nós vamos ficar na discussão de enxugar gelo.

 

Souza frisa que tanto os políticos, quanto os movimentos policiais, estabelecem uma discussão finalística quando já não tem mais conserto. A discussão não é essa, porque essa discussão leva à apologia do crime o tempo todo. Como que a polícia vai agir é uma discussão terminal. É uma discussão que não soluciona o problema da violência. Ela apenas gera notícia, gera debate, gera conflito. E sempre vai gerar insatisfação. Não tem como chegar para um policial e dizer que ele não deveria matar. É a vida dele também que está em jogo. Também não dá para validar que ele saía por aí matando todo mundo. A discussão disso é muito mais profunda, quando a gente fala de segurança pública, a gente tem que evitar o início da guerra.

 

Outro lado

Em nota, a Secretaria de Estado de Segurança Pública afirmou que as mortes acontecem quando a vida do policial está em risco. “O governo de Mato Grosso investiu em tecnologia, estrutura e armamento das forças de segurança para combater as facções criminosas e também aumentou o número de investigações e operações contra o crime. As mortes ocorrem quando os criminosos confrontam a polícia e a vida do policial está em risco”, destacou nota.

Fonte: www.gazetadigital.com.br

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